Por Patrícia Sintra
Tork, o pitbull da família ©Miguel Silva/SOL
Nos
últimos quatro anos, a Direcção Geral de Veterinária registou 373
ataques de raças potencialmente perigosas. O último caso foi de uma
criança e acabou em morte. Enquanto o Ministério Público investiga o
caso, duas famílias abrem a porta da sua casa para mostrar que nem todos
os cães perigosos são necessariamente maus. A porta abre-se e Luna
vem a correr dar as boas-vindas aos visitantes. Antes já tinha estado a
roer uma bola enquanto fazia companhia à Catarina (15 anos) e ao Rodrigo
(12 anos). Pede festas, rebola no chão, vai buscar os brinquedos e dá
pequenas turras a crianças e adultos. Ao olhar para ela, na sala de
estar da família Lebre, ninguém diria que integra a lista de raças
potencialmente perigosas. Além do rottweiler, a lista inclui o dogue
argentino, o staffordshire bull terrier, o pitbull, o staffordshire
terrier americano, o tosa inu e o cão de fila brasileiro. Desde 2009,
houve 373 agressões por parte destas raças, sendo o caso mais recente o
de Dinis, atacado em Beja, no passado dia 6 de Janeiro, pelo pitbull do
tio. A criança de 18 meses faleceu dias depois com um traumatismo
crânio-encefálico no Hospital de Santa Maria. Apesar disso, já há quase
70 mil pessoas a pedir que Zico, o pitbull que atacou Dinis, não seja
abatido como a lei prevê.
Entretanto, ali ao lado, Ruben passeia com Tork mesmo antes do jantar. Em casa tem à sua espera a pequena Miriam, de três anos, uma gatinha resgatada da rua, e Carla, a sua mulher. Todos vêem Tork da mesma maneira: «Gosta de brincar, gosta de carinho, gosta de atenção. É um cão super equilibrado, sabe o que tem de fazer, sabe o que não pode fazer», resume Ruben a propósito do pitbull que vive com a família há oito anos. Tork tinha cinco anos quando Miriam nasceu mas o casal garante que já antes disso o cão tinha uma relação com o membro mais novo da família. «Quando engravidei ele encostava a cabeça à minha barriga e quando a Miriam mexia ele lambia a minha barriga, ela mexia outra vez e ele fazia a mesma coisa. E depois de ela nascer ia ter com a bebé e deixava-a toda lambuzada, mas nunca me preocupei com isso».
Em gesto de retribuição, a pequena Miriam leva o dia todo a dar-lhe beijinhos e abraços, a penteá-lo, a fazer-lhe festas nas orelhas e na barriga. Quando Tork se farta de tanto carinho vai dar uma volta e deixa Miriam a brincar com a gatinha. «Confio muito nele, nunca vi nenhum gesto de agressão», adianta Paula. Já o pai é mais cauteloso. «Não tenho problema em deixá-los sozinhos mas estou sempre de olho. Acho que as pessoas têm que ter sempre atenção quando há uma criança e um cão, e isto aplica-se a todos os cães». Chega a hora de jantar e é Miriam quem vai pôr a comida no prato de Tork. Cuidadosamente, ele aproxima-se da ração. «Aqui em casa, toda a gente lhe dá carinho e toda a gente lhe dá comida, são estas as regras», afirma Ruben.
Palavra de treinador
«Um dos maiores problemas é as pessoas tentarem humanizar os cães e depois esperarem comportamentos racionais da parte deles. Isso é impossível. Um cão é um cão e há-de ser um cão a vida toda», atira Edmundo Franco, um dos três treinadores credenciados pelo Clube Português de Canicultura. A lei prevê que todos os donos de cães de raça potencialmente perigosa são obrigados a proceder ao treino do seu animal. Enquanto isso não acontece, Edmundo, há seis anos na função, vai treinando os cães inscritos na sua escola, a Aldeia do Lobo, nos arredores de Lisboa. Pelas mãos já lhe passou praticamente de tudo, desde labradores agressivos, a pastores alemães cegos e pitbulls com problemas de carácter. E para todos parece haver uma solução.
«Como treinador acho que há cães perigosos e donos irresponsáveis. E isto não tem a ver se é um rottweiler ou um dogue argentino, tem a ver com o cão, com o seu temperamento, com a forma como é educado ao longo do tempo e com os seus cruzamentos genéticos», adianta. Tendo em consideração estas variáveis, Edmundo realça desde logo a importância da educação desde pequenos: «As pessoas esquecem-se que os dois primeiros meses de vida de um cão são os mais importantes para o seu futuro. E, na maior parte das vezes, não os socializam porque os veterinários aconselham a não levar o cão à rua. Ora é nessas oito semanas, chamadas a fase do imprinting, que o cão deve conhecer o máximo de pessoas, barulhos e situações para depois se tornar equilibrado, estável e não ser agressivo».
E com a educação vêm as regras. À cabeça aparecem logo duas: ‘Não deixar o cão subir para cima do sofá’ e ‘não dormir com ele’. Edmundo explica que em ambas as situações homem e animal estão ao mesmo nível, embora o dono deva apresentar-se sempre como o alfa da matilha: «Ao subir para cima do sofá ou dormir com o dono na cama, o cão vai achar que é o segundo alfa, o que significa que vai tentar impor-se ao membro mais tímido da família. Isto é a natureza e é importante para qualquer cão, independentemente da raça». Por todos estes ‘pormenores’ fazerem diferença na altura de lidar com um cão com problemas de comportamento, o treinador aconselha os ‘donos’ a terem aulas – «nem que sejam apenas teóricas» – para conhecer melhor o animal que têm em casa. Finalmente, segundo o treinador, a outra variável que parece influenciar o comportamento são os criadores que, ao darem mais importância à parte morfológica do cão do que à parte comportamental, fazem cruzamentos que dão origem a animais medrosos, inseguros e agressivos. «Mas bonitos! Só que a beleza, não é tudo...».
Destes cruzamentos, o exemplo mais conhecido é o dos pitbulls, criados pela primeira vez em Inglaterra no final do século XIX, como cães de luta. Caracterizam-se pelo porte médio, grande força de mandíbula e robustez física sem mácula. Embora a sua procriação seja proibida – a lei prevê que todos os machos sejam castrados e as fêmeas esterilizadas – a verdade é que estão longe de conhecer a extinção. «Ninguém devia conseguir encontrar pitbulls porque a lei obriga a que sejam esterilizados. Mas a verdade é que eles continuam a ser reproduzidos por pessoal de bairros sociais que fazem cruzamentos com dogues argentinos e com rottweilers para lhes dar tamanho. Com estes cruzamentos, misturam-se genes e cães que não têm nada a ver uns com os outros e depois saem cães problemáticos. Mas, mais uma vez, a culpa é dos humanos», defende Edmundo. E acrescenta: «Os rottweiler ou os pitbulls não são cães perigosos. No caso do rottweilers, são cães de guarda, portanto são territoriais. Os pitbulls foram seleccionados para lutas e geneticamente aquilo está lá mas é possível moldá-los e fazer com que saibam viver em sociedade», garante. Conclusão: todos estes cães devem ser treinados e os potencialmente perigosos ainda mais, embora não sejam muitos os que o fazem.
Mas esta lista de cães potencialmente perigosos também não reúne consenso. Edmundo explica que há outras raças, com o mesmo poder de mandíbula, que não estão incluídos na lista. E lembra os dobermans, os cane corso ou os serra da estrela – cães territoriais habituados a viver sozinhos, a guardar um rebanho e que obedecem apenas ao pastor. «São estas características que as pessoas devem ter em atenção, antes de comprarem um cão. Devem ainda informar-se junto dos criadores, de escolas de cães e definir bem os objectivos: se querem um cão de guarda ou um cão para estar em família. E podem escolher sempre uma destas raças potencialmente perigosas», adianta, lembrando que estes mesmos cães estão a ser utilizados em terapias com crianças deficientes. Durante a terapia, as crianças têm a possibilidade de brincar, escovar e passear os animais com resultados «francamente positivos». O próprio Edmundo treinou uma pitbull que faz terapia com crianças: «As crianças descontraem e passam um bom bocado, diferente do que estão habituadas a passar».
Zico: sim, não ou talvez
A história de Dinis e Zico conta-se em poucas linhas mas a mobilização social que se lhe seguiu já levou a duas petições públicas, a um comunicado do Instituto de Apoio à Criança e à intervenção do Ministério Público. Segundo consta, Dinis, de um ano e meio, entrou às escuras na cozinha do avô, em Beja, onde estava o pitbull do tio, Zico. Aparentemente, a criança tropeçou, caiu em cima do cão e foi ferida mortalmente pelo animal.
A Lei N.º 241, de 17 de Outubro de 2001 é clara no que diz respeito a estes casos: «Os animais que ofendam o corpo ou a saúde de outra pessoa são obrigatoriamente recolhidos em centros de recolha oficial [...] e posteriormente abatidos por método de occisão que não lhe cause dores e sofrimento desnecessário». Já os donos são punidos «com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias» e ainda coimas «cujo montante mínimo é de 500 euros e o máximo de 3.740 ou 44.890 euros, consoante se trate de pessoas singulares ou colectivo». A mesma Lei N.º 210, de 29 de Outubro de 2009, prevê que os donos de animais considerados perigosos tenham licença, emitida pela Junta de Freguesia, seguro de responsabilidade civil e promovam «o treino dos mesmos com vista à sua sociabilização e obediência», além da castração. Ora, Zico não tinha licença, nem era castrado nem tinha integrado nenhum programa de treino.
Edmundo, que assinou a petição ‘Contra o Abate do Pitbull Zico e de Todos os Outros Zicos!’, defende que a eutanásia não é a solução e que todos os cães podem ser reabilitados. «É preciso referir que, apesar destes casos, há muitos cães destas raças que não dão problemas. Agora, nós sabemos que um ataque de um pitbull a uma criança faz notícia. Se fosse um caniche a atacar se calhar não se vendia...».
Além de Edmundo, cerca de 70 mil pessoas assinaram a petição. Entretanto, a Associação Animal, que promove a defesa dos direitos dos animais, entregou no Tribunal de Beja uma intimação que, para já, suspendeu o abate do animal. No entanto, já está a correr outra petição a favor da occisão. Nela pode ler-se: «É inadmissível dar uma segunda oportunidade a um cão que matou uma criança com 18 meses. Vamos deixá-lo vivo e arriscar a morte de outras crianças? Não [...]! Não digo isto por ser um cão, se fosse uma pessoa e tivesse mordido numa criança, de tal modo que ela tivesse morrido, também seria a favor de uma pena de morte!». Até Manuela Eanes, em nome do Instituto de Apoio à Criança, se pronunciou sobre o caso, instando o Governo a tomar medidas urgentes para evitar que situações como esta se repitam. Mas quando perguntamos a Margarida, dona da Luna, ou a Ruben, dono do Tork, o que se deve fazer com Zico, a resposta surge em uníssono: «Não se deve matar o animal mas também não há dor maior do que perder um filho...».
patricia.cintra@sol.pt
Rodrigo e Catarina têm crescido com a cadela Rottweiler Luna, que já tem 11 anos.
Luna
tem 11 anos mas ninguém lhe dá a idade que tem. Chegou já com oito
meses e encontrou a Catarina, na altura com três anos, e o Rodrigo
quase, quase a nascer. «O meu marido apareceu com a cadela, só para eu
ver. Disse-lhe que não queria ficar com ela porque estava grávida, já
tinha uma barriga muito grande e uma idade que me fazia ter uma gestação
atribulada. Mas a Luna adaptou-se muito bem e foi ficando», lembra
Margarida, a matriarca da família. Hoje não imagina a sua vida – ou a
dos filhos – sem a cadela. Mas nunca descurou os cuidados: «Com eles
pequeninos, tinha sempre muita atenção mas acho que ela é muito maternal
e protectora. Nunca lhes fez mal nenhum». Quase em surdina – não vá a
Luna ouvir – garante que a grande paixão do canídeo é Catarina. «Quando
era mais pequenina, não podíamos discutir ou levantar um braço à menina
que ela rosnava logo! Mas, enquanto donos, temos de manter a autoridade e
dizer que quem manda somos nós», atalha. Quando o Rodrigo chegou a
casa, foi brindado com uma lambidela e a recém-mamã com uma festa mais
vigorosa. «Avisei logo que se ela se atirasse a mim, grávida, ia haver
problemas. Mas isso nunca aconteceu. Quando vim da maternidade, veio ter
comigo, ficou a olhar-me e como viu que já não tinha barriga deu um
salto para me fazer festas. Foi a primeira vez!», recorda emocionada. No
chão da sala, Luna continua a brincar com a sua bola preferida enquanto
recebe festas da Catarina e do Rodrigo.Entretanto, ali ao lado, Ruben passeia com Tork mesmo antes do jantar. Em casa tem à sua espera a pequena Miriam, de três anos, uma gatinha resgatada da rua, e Carla, a sua mulher. Todos vêem Tork da mesma maneira: «Gosta de brincar, gosta de carinho, gosta de atenção. É um cão super equilibrado, sabe o que tem de fazer, sabe o que não pode fazer», resume Ruben a propósito do pitbull que vive com a família há oito anos. Tork tinha cinco anos quando Miriam nasceu mas o casal garante que já antes disso o cão tinha uma relação com o membro mais novo da família. «Quando engravidei ele encostava a cabeça à minha barriga e quando a Miriam mexia ele lambia a minha barriga, ela mexia outra vez e ele fazia a mesma coisa. E depois de ela nascer ia ter com a bebé e deixava-a toda lambuzada, mas nunca me preocupei com isso».
Em gesto de retribuição, a pequena Miriam leva o dia todo a dar-lhe beijinhos e abraços, a penteá-lo, a fazer-lhe festas nas orelhas e na barriga. Quando Tork se farta de tanto carinho vai dar uma volta e deixa Miriam a brincar com a gatinha. «Confio muito nele, nunca vi nenhum gesto de agressão», adianta Paula. Já o pai é mais cauteloso. «Não tenho problema em deixá-los sozinhos mas estou sempre de olho. Acho que as pessoas têm que ter sempre atenção quando há uma criança e um cão, e isto aplica-se a todos os cães». Chega a hora de jantar e é Miriam quem vai pôr a comida no prato de Tork. Cuidadosamente, ele aproxima-se da ração. «Aqui em casa, toda a gente lhe dá carinho e toda a gente lhe dá comida, são estas as regras», afirma Ruben.
Palavra de treinador
«Um dos maiores problemas é as pessoas tentarem humanizar os cães e depois esperarem comportamentos racionais da parte deles. Isso é impossível. Um cão é um cão e há-de ser um cão a vida toda», atira Edmundo Franco, um dos três treinadores credenciados pelo Clube Português de Canicultura. A lei prevê que todos os donos de cães de raça potencialmente perigosa são obrigados a proceder ao treino do seu animal. Enquanto isso não acontece, Edmundo, há seis anos na função, vai treinando os cães inscritos na sua escola, a Aldeia do Lobo, nos arredores de Lisboa. Pelas mãos já lhe passou praticamente de tudo, desde labradores agressivos, a pastores alemães cegos e pitbulls com problemas de carácter. E para todos parece haver uma solução.
«Como treinador acho que há cães perigosos e donos irresponsáveis. E isto não tem a ver se é um rottweiler ou um dogue argentino, tem a ver com o cão, com o seu temperamento, com a forma como é educado ao longo do tempo e com os seus cruzamentos genéticos», adianta. Tendo em consideração estas variáveis, Edmundo realça desde logo a importância da educação desde pequenos: «As pessoas esquecem-se que os dois primeiros meses de vida de um cão são os mais importantes para o seu futuro. E, na maior parte das vezes, não os socializam porque os veterinários aconselham a não levar o cão à rua. Ora é nessas oito semanas, chamadas a fase do imprinting, que o cão deve conhecer o máximo de pessoas, barulhos e situações para depois se tornar equilibrado, estável e não ser agressivo».
E com a educação vêm as regras. À cabeça aparecem logo duas: ‘Não deixar o cão subir para cima do sofá’ e ‘não dormir com ele’. Edmundo explica que em ambas as situações homem e animal estão ao mesmo nível, embora o dono deva apresentar-se sempre como o alfa da matilha: «Ao subir para cima do sofá ou dormir com o dono na cama, o cão vai achar que é o segundo alfa, o que significa que vai tentar impor-se ao membro mais tímido da família. Isto é a natureza e é importante para qualquer cão, independentemente da raça». Por todos estes ‘pormenores’ fazerem diferença na altura de lidar com um cão com problemas de comportamento, o treinador aconselha os ‘donos’ a terem aulas – «nem que sejam apenas teóricas» – para conhecer melhor o animal que têm em casa. Finalmente, segundo o treinador, a outra variável que parece influenciar o comportamento são os criadores que, ao darem mais importância à parte morfológica do cão do que à parte comportamental, fazem cruzamentos que dão origem a animais medrosos, inseguros e agressivos. «Mas bonitos! Só que a beleza, não é tudo...».
Destes cruzamentos, o exemplo mais conhecido é o dos pitbulls, criados pela primeira vez em Inglaterra no final do século XIX, como cães de luta. Caracterizam-se pelo porte médio, grande força de mandíbula e robustez física sem mácula. Embora a sua procriação seja proibida – a lei prevê que todos os machos sejam castrados e as fêmeas esterilizadas – a verdade é que estão longe de conhecer a extinção. «Ninguém devia conseguir encontrar pitbulls porque a lei obriga a que sejam esterilizados. Mas a verdade é que eles continuam a ser reproduzidos por pessoal de bairros sociais que fazem cruzamentos com dogues argentinos e com rottweilers para lhes dar tamanho. Com estes cruzamentos, misturam-se genes e cães que não têm nada a ver uns com os outros e depois saem cães problemáticos. Mas, mais uma vez, a culpa é dos humanos», defende Edmundo. E acrescenta: «Os rottweiler ou os pitbulls não são cães perigosos. No caso do rottweilers, são cães de guarda, portanto são territoriais. Os pitbulls foram seleccionados para lutas e geneticamente aquilo está lá mas é possível moldá-los e fazer com que saibam viver em sociedade», garante. Conclusão: todos estes cães devem ser treinados e os potencialmente perigosos ainda mais, embora não sejam muitos os que o fazem.
Mas esta lista de cães potencialmente perigosos também não reúne consenso. Edmundo explica que há outras raças, com o mesmo poder de mandíbula, que não estão incluídos na lista. E lembra os dobermans, os cane corso ou os serra da estrela – cães territoriais habituados a viver sozinhos, a guardar um rebanho e que obedecem apenas ao pastor. «São estas características que as pessoas devem ter em atenção, antes de comprarem um cão. Devem ainda informar-se junto dos criadores, de escolas de cães e definir bem os objectivos: se querem um cão de guarda ou um cão para estar em família. E podem escolher sempre uma destas raças potencialmente perigosas», adianta, lembrando que estes mesmos cães estão a ser utilizados em terapias com crianças deficientes. Durante a terapia, as crianças têm a possibilidade de brincar, escovar e passear os animais com resultados «francamente positivos». O próprio Edmundo treinou uma pitbull que faz terapia com crianças: «As crianças descontraem e passam um bom bocado, diferente do que estão habituadas a passar».
Zico: sim, não ou talvez
A história de Dinis e Zico conta-se em poucas linhas mas a mobilização social que se lhe seguiu já levou a duas petições públicas, a um comunicado do Instituto de Apoio à Criança e à intervenção do Ministério Público. Segundo consta, Dinis, de um ano e meio, entrou às escuras na cozinha do avô, em Beja, onde estava o pitbull do tio, Zico. Aparentemente, a criança tropeçou, caiu em cima do cão e foi ferida mortalmente pelo animal.
A Lei N.º 241, de 17 de Outubro de 2001 é clara no que diz respeito a estes casos: «Os animais que ofendam o corpo ou a saúde de outra pessoa são obrigatoriamente recolhidos em centros de recolha oficial [...] e posteriormente abatidos por método de occisão que não lhe cause dores e sofrimento desnecessário». Já os donos são punidos «com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias» e ainda coimas «cujo montante mínimo é de 500 euros e o máximo de 3.740 ou 44.890 euros, consoante se trate de pessoas singulares ou colectivo». A mesma Lei N.º 210, de 29 de Outubro de 2009, prevê que os donos de animais considerados perigosos tenham licença, emitida pela Junta de Freguesia, seguro de responsabilidade civil e promovam «o treino dos mesmos com vista à sua sociabilização e obediência», além da castração. Ora, Zico não tinha licença, nem era castrado nem tinha integrado nenhum programa de treino.
Edmundo, que assinou a petição ‘Contra o Abate do Pitbull Zico e de Todos os Outros Zicos!’, defende que a eutanásia não é a solução e que todos os cães podem ser reabilitados. «É preciso referir que, apesar destes casos, há muitos cães destas raças que não dão problemas. Agora, nós sabemos que um ataque de um pitbull a uma criança faz notícia. Se fosse um caniche a atacar se calhar não se vendia...».
Além de Edmundo, cerca de 70 mil pessoas assinaram a petição. Entretanto, a Associação Animal, que promove a defesa dos direitos dos animais, entregou no Tribunal de Beja uma intimação que, para já, suspendeu o abate do animal. No entanto, já está a correr outra petição a favor da occisão. Nela pode ler-se: «É inadmissível dar uma segunda oportunidade a um cão que matou uma criança com 18 meses. Vamos deixá-lo vivo e arriscar a morte de outras crianças? Não [...]! Não digo isto por ser um cão, se fosse uma pessoa e tivesse mordido numa criança, de tal modo que ela tivesse morrido, também seria a favor de uma pena de morte!». Até Manuela Eanes, em nome do Instituto de Apoio à Criança, se pronunciou sobre o caso, instando o Governo a tomar medidas urgentes para evitar que situações como esta se repitam. Mas quando perguntamos a Margarida, dona da Luna, ou a Ruben, dono do Tork, o que se deve fazer com Zico, a resposta surge em uníssono: «Não se deve matar o animal mas também não há dor maior do que perder um filho...».
patricia.cintra@sol.pt
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